Morre aos 83
anos a intelectual Rose Marie Muraro.
por Andressa Rodrigues e Ana Elisa Carao
Com um câncer na
medula óssea, a escritora e editora, uma das líderes do movimento feminista no
Brasil, não resistiu a problemas respiratórios na manhã deste sábado
POR O GLOBO
RIO — Uma das maiores representantes do
movimento feminista no Brasil, Rose Marie Muraro morreu, na manhã deste sábado,
aos 83 anos, em consequência de problemas respiratórios. Ela tinha câncer na
medula óssea há cerca de 10 anos e, desde o dia 12 deste mês, estava na CTI do
Hospital São Lucas, em Copacabana. No dia 15, entrou em coma e acabou acometida
por uma infecção. A cremação está marcada para as 16h no Memorial do Carmo, no
Caju.
Rose Marie aprendeu desde cedo a lutar
contra as dificuldades, físicas e sociais, com força. Nasceu praticamente cega,
e somente aos 66 anos conseguiu recuperar parcialmente a visão com uma
cirurgia. Estudou Física, foi escritora e editora de livros, assumindo a
responsabilidade por publicações polêmicas e contestadoras.
Ao longo da vida, escreveu 44 livros —
como "Os seis meses em que fui homem" (1993), "Por que nada
satisfaz as mulheres e os homens não as entendem" (2003) — que venderam
mais de 1 milhão de exemplares. Em 1999, ela contou sua história na
autobiografia "Memórias de uma mulher impossível".
Em longa carreira como editora, Rose
Marie 1.600 livros na editora Vozes e, mais tarde, na Rosa dos Tempos (filiada
à editora Record).
Amigo pessoal, o teólogo Leonardo Boff
trabalhou ao lado de Rose Marie entre os anos 1970 e 1984, na editora Vozes, de
onde foram afastados de seus cargos pelo Vaticano. Para Boff, Rose Marie
estabeleceu inovações analíticas "sem precedentes" sobre o estudo da
mulher. Parte significativa de seus estudos foram reunidos no livro
"Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil"
(1996), considerado um clássico.
— Ela introduziu a questão da classe
social no estudo de gênero, ela foi a primeira mulher a estudar de forma
sistemática a sexualidade da mulher brasileira a partir da situação ou classe
social — diz Boff. — Ela inaugurou esse discurso, nem Freud ou qualquer
analista europeu atingiram esse ponto. Tudo isso foi resultado de uma ampla e
minuciosa pesquisa de campo.
Juntos, Rose Marie e Boff assinaram, em
2002, o livro "Masculino / Feminino", onde investigaram juntos a
relação entre os gêneros.
— A Rose elevou a questão do gênero a
um novo patamar, pois não considerava o masculino e o feminino como realidades
que se contrapõem, mas como instâncias fundamentais, onde cada um é completo em
si mas voltado para o outro, numa relação de reciprocidade e construção
conjunta — diz.
Em trecho do documentário
"Memórias de uma mulher impossível", lançado em 2009 por Marcia
Derraik (veja abaixo), Rose Marie explica: "O assunto mulher era um
assunto sem importância para os militares e para a sociedade como um todo. O
pessoal não sabia da existência do feminino. Ah, essa daí lida com mulher, essa
daí não é perigosa, tem filhos pequenos, só tá na igreja, então essa daí não
vamos perseguir. Já nos anos 60 eu dizia: eu também quero pôr fogo no mundo.
Fui pôr fogo no mundo, fui ser editora. E eu vi que eram os livros que punham
fogo no mundo".
— Minha mãe lutou a vida toda por um
mundo mais justo. E ela consegui fazer uma revolução por meio da literatura, o
que é muito bonito. Foram muitas conquistas, e isso nos deixa muito orgulhosos
— afirma uma de suas filhas, Tônia Gebara Muraro.
Segundo Tônia, graças aos esforços de
sua mãe, será aberta em breve no Rio a primeira biblioteca especializada em
estudos de gênero do Brasil. O espaço ficará dentro da sede do Instituto
Cultural Rose Marie Muraro, que desde 2009 ocupa uma casa na Glória e é
dirigido por Tônia.
A escritora e membro da Academia
Brasileira de Letras Rosiska Darcy de Oliveira ressaltou sua perseverança em
lutar pelo direito das mulheres:
— A Rose foi um grande nome de
liderança na luta de todas nós mulheres. Foi, sem dúvida, uma das pessoas mais
importantes do movimento feminista, mas levou o feminismo a um campo mais
amplo, ao humanismo. A contribuição dela como intelectual e como militante
foram enormes. Não é possível destacar uma obra apenas, mas sim o conjunto de
sua produção. Além de uma intelectual, como pessoa era uma mulher de coragem,
que enfrentou uma série de tabus e desafios — observa Rosiska. — Ela enfrentava
uma deficiência visual muito séria, enxergava pouco, mas isso nunca a impediu
de fazer nada. Viajava pelo país inteiro para participar de seminários,
debates, colóquios, onde sempre usou sua inteligência e poder de convencimento
para mudar o modo como pensávamos as coisas. A Rose foi uma pioneira e teve seu
reconhecimento como tal.


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