Brasil - MST - [André Barreto e
Pedro Martins] Atualmente, está em curso uma corrida para a inclusão das
florestas, campos, conhecimentos tradicionais e riquezas de nossa
biodiversidade como mercadorias e títulos financeiros em Bolsa de Valores, sob
a alegação que seria a única forma possível de manter a "floresta em
pé".
Ou seja, o ônus da destruição dos
territórios, expulsão dos/as camponeses/as, comunidades e povos tradicionais de
suas terras, degradação da biodiversidade não seria do capitalismo selvagem,
pelo contrário, ele seria a solução para esses problemas. Este processo é o que
se chama hoje de "Financerização da natureza e dos bens comuns".
É nesse contexto que há uma
aproximação da questão agrária com a questão ambiental: as "falsas
soluções" antes anunciadas por setores ruralistas e rentistas do capital
financeiro para "superação" da reforma agrária agora fazem propaganda
de "oportunidades de negócio" que supostamente conciliariam a
proteção do meio ambiente com os negócios corporativos. Basta ver, neste
primeiro semestre de 2014, a
campanha de publicidade realizada pela Bolsa Verde do Rio de Janeiro nos
estados do Pará e Mato Grosso para promoção do instrumento da Cota de Reserva
Ambiental (CRA) e da realização do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – mais a
frente voltamos a esses pontos.
Porém, essa aproximação entre o
"ambiental" e o "agrário" também se reflete nas lutas
sociais e populares, uma vez que no plano das estratégias e táticas dos
movimentos sociais do campo cada vez mais os temas ambientais permeiam as
discussões e ações de defesa do direito à terra e ao território. É exemplar
disso a decisão de várias organizações do campo (camponesas, sindicatos rurais
e quilombolas) de assumir para si a realização do CAR em seus territórios. O
que estaria por traz dessas decisões políticas? Por que é estratégico assumir
um papel que em tese deveria ser do Estado?
Para se refletir sobre tais questões,
é importante primeiro debater alguns desses termos acima falados. O Cadastro
Ambiental Rural, o tão falado CAR, foi criado no Novo Código Florestal (Lei
12.651 de 2012) e é parte de um sistema de controle, proteção e recuperação das
áreas florestais em imóveis rurais. Assim, ao ser um cadastro composto de
informações ambientais e fundiárias de todos os imóveis rurais (propriedades e
posses privadas e públicas, individuais e coletivas) do Brasil, ele tem a função
principal de controlar o desmatamento e identificar as áreas que necessitam de
recuperação de sua cobertura vegetal.
O meio burocrático adotado desse
cadastro é o registro eletrônico nos órgãos públicos ambientais – Secretarias
de meio ambiente e IBAMA, sendo obrigatório. As informações que devem constar
nesse cadastro são: identificação do proprietário/posseiro; identificação do
imóvel rural; perímetro do imóvel rural; áreas de interesse social e de
utilidade pública; áreas com remanescentes de vegetação nativa; APP e área de
Reserva Legal; áreas de uso restrito, áreas consolidadas.
E por que ele seria parte do que se
falou antes como "falsa solução" ou estaria dentro dos instrumentos
de manutenção da "floresta em pé" como oportunidade de negócio? Como
já se diz: informação é poder... no caso aqui, poder econômico. Ao se ter um
cadastro, ou seja, uma rede de informações e mapas constando todas as áreas de
cobertura vegetal e florestal ainda existentes no país, cria-se para o mercado
as informações necessárias para se ter a noção exata da demanda e oferta por
títulos financeiros que sejam representativos dessas áreas para a compensação
de outras já desmatadas – a Cota de Reserva Ambiental (CRA), acima falada, bem
como outros instrumentos, a exemplo dos créditos de carbono e outros que se
inserem no pacote que se chama Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Todos
esses são mecanismos da "Financerização da natureza e dos bens
comuns", ou seja, tornam as áreas verdes em mercadorias a serem negociadas
no mercado, as quais antes eram tidas como bens de uso comum do povo, e
ocasionam a perda da soberania dos/as camponeses/as, povos e comunidades
tradicionais sobre suas terras e territórios. Na prática estes perdem os
direitos sobre tais terras, tão essenciais para o acesso a outros direitos.
Mas e por que os movimentos sociais do
campo estão encarando como importante realizar o CAR? Sob a mesma premissa de
que "informação é poder"... neste caso, "poder popular" e
pelas suas implicações agrárias. Ao ser o CAR obrigatório, como consta na Lei
Florestal, ou seja, todos os possuidores e proprietários de imóveis rurais
(particulares, coletivos, assentamentos) devem fazer para estar regulares na
questão ambiental e fundiária. Sendo que, ao se constarem as informações ambientais,
mas também das formas de uso e manejo do território no sistema do Cadastro,
este vem a ser um interessante instrumento para a oficialização e a
visibilização dos conflitos agrários e socioambientais, das formas de uso
coletivos e diferenciados dos territórios (mesmo aqueles ainda não
regularizados), da ação dos grileiros e dos supostos proprietários invasores
dos territórios tradicionais e áreas de assentamento. Em grande parte, isso
porque surgem as "sobreposições" das declarações e informações prestadas
quanto aos territórios e imóveis rurais e permitem a caracterização de mais
elementos para provar o conflito agrário e socioambiental, o que ajuda na sua
mediação e resolução na tutela de tais direitos.
Assim, conclui-se com uma reflexão:
"os momentos de crise e as contradições também são propícios para avançar
na luta social e popular" – justo ai reside a contradição intrínseca ao
Estado. Mecanismos importantes para o Estado burocraticamente controlar e
realizar suas políticas e programas públicos, neste caso de recuperação e
proteção de áreas ambientais, mas atrelados também ao processo do mercado de
apropriação privada dos bens comuns e da natureza, podem também ser uma arma
para contribuir na luta de afirmação e defesa de direitos. Tem-se porem que ter
clareza das contradições presentes nestes mecanismos, para não se cair em
"cantos da Sereia". Contribuindo nas lutas populares, o Grupo Carta
de Belém vem lutando na crítica às "falsas soluções" e na construção
de alternativas verdadeiramente populares para o campo e florestas.
REFERÊNCIA:

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